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Inclusão do Consumidor com Deficiência Visual no Direito Marcário

Alex Sandro Ribeiro é Advogado Corporativo, Procurador junto ao INPI e à OMPI, e atua na interseção da razão jurídica com a sensibilidade humana. Com pós-graduações em Direito Civil, Propriedade Intelectual e Perícia Judicial, sua mente é um laboratório de lógica, equilibrada pelo profundo anseio pela arte e pelo espírito. É Membro Postulante da Academia de Letras da Praia Grande (ALAPG).

10/18/20255 min read

Marcas Não Tradicionais e Acessibilidade

A Inclusão do Consumidor com Deficiência Visual no Direito Marcário Brasileiro

A marca, enquanto signo distintivo apto a identificar a origem de produtos ou serviços e diferenciá-los de seus concorrentes, é fundamental para a livre concorrência e a proteção do consumidor. Tradicionalmente, o foco do direito marcário recaiu sobre elementos visuais (nominativos, figurativos ou mistos), refletindo uma sociedade e um mercado centrados na percepção visual. No entanto, a evolução da sociedade e o imperativo da inclusão têm impulsionado a discussão e a aceitação das marcas não tradicionais – as quais, notadamente, se apresentam como elementos criativos de fundamental importância para a acessibilidade, em especial para os deficientes visuais, parcela significativa da população brasileira.

É crucial contextualizar o impacto dessa discussão, considerando que a população com deficiência visual no Brasil representa um contingente expressivo. De acordo com o Censo Demográfico 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual severa, o que corresponde a aproximadamente 3,2% da população total do país. Contudo, a mesma pesquisa (PNAD Contínua 2022) indica que cerca de 7,9 milhões de pessoas têm alguma dificuldade para enxergar (mesmo usando óculos ou lentes), sendo essa a dificuldade funcional mais frequente entre a população com deficiência. Esses dados oficiais, longe de alcançar os 40%, ainda assim reforçam a urgência de superar o paradigma da marca "visualmente perceptível" pela média comum, em favor de um sistema que garanta o consumo autônomo e a plena cidadania dessa vasta comunidade.

1. O Conceito Tradicional da Marca e Seus Limites para a Inclusão

A Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96 – LPI), em seu art. 122, define como registráveis os "sinais distintivos visualmente perceptíveis". Essa limitação legal tem historicamente dificultado o reconhecimento de marcas que se manifestam por outros sentidos humanos, como o olfato, o tato ou a audição. A doutrina clássica de marcas, focada na perceptibilidade visual pela "média comum da população", ignora a realidade e as necessidades de milhões de brasileiros com deficiência visual.

É nessa lacuna que as marcas não tradicionais e o trade dress emergem como ferramentas jurídicas e criativas para a inclusão. O movimento de reinterpretação da LPI à luz da Constituição Federal de 1988 (CF/88), notadamente o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III) e os direitos de inclusão e acessibilidade (art. 5º, $LXI e art. 227, $1º, II), bem como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei nº 13.146/2015), impõe uma releitura do conceito de marca.

2. Trade Dress e Marcas Tridimensionais: O Toque e a Forma Distintiva

O Trade Dress (conjunto-imagem) é o arranjo peculiar e distintivo de elementos visuais e não visuais (como a decoração de um estabelecimento, a embalagem ou o formato de um produto) que, em seu conjunto, identifica a origem empresarial. Embora não haja previsão legal expressa no Brasil, a doutrina e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm reconhecido a proteção do trade dress com base no combate à concorrência desleal (art. 195, III e V, da LPI).

O STJ, ao analisar casos de proteção de trade dress, ainda que predominantemente visuais, sedimentou a ideia de que a distintividade e a não-funcionalidade são requisitos essenciais. No contexto da acessibilidade, o trade dress pode incluir elementos táteis distintivos na embalagem ou no próprio produto.

As marcas tridimensionais, por sua vez, são expressamente aceitas pela LPI (art. 122 c/c art. 124, inciso IX – o qual proíbe o registro da forma necessária, comum ou funcional do produto). A forma distintiva, não funcional e arbitrária da embalagem ou do produto pode ser, para o deficiente visual, o principal meio de identificação da marca. O uso de relevos, texturas ou formas geométricas únicas e arbitrárias, registradas como marca tridimensional, transcende a mera estética e se torna um elemento de acessibilidade cognitiva e de consumo autônomo. O toque, neste caso, substitui o olhar, cumprindo a mesma função de indicar a procedência do produto.

3. Marcas Olfativas e Táteis: A Criatividade Sensorial a Serviço da Inclusão

O debate mais inovador reside na aceitação das marcas olfativas e marcas táteis (entendidas como o signo tátil isolado e não a forma tridimensional do produto).

Embora o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) ainda não as registre de forma expressa, devido à restrição do art. 122 da LPI, que exige a "perceptibilidade visual", a doutrina especializada argumenta pela possibilidade de registro, mediante uma interpretação evolutiva da lei e em consonância com o princípio da inclusão.

• Marcas Olfativas: Um aroma característico, quando intrinsecamente ligado e distintivo de um produto ou serviço, poderia ser registrado. Para a pessoa cega, o olfato é um sentido crucial no reconhecimento e na memorização. O registro de uma marca olfativa distintiva, que não seja a natureza do produto (perfume em si), é um passo em direção a um sistema marcário mais inclusivo, permitindo ao consumidor com deficiência visual identificar a procedência com a mesma segurança do consumidor que vê.

• Marcas Táteis (não tridimensionais funcionais): Um padrão de textura (alto-relevo) ou um código tátil (como o Braille, embora este, por ser um código funcional universal, não possa ser objeto de exclusividade) que não seja a forma do produto pode ser considerado como um signo distintivo. Invenções como códigos táteis arbitrários para identificação de cores em vestuário (conforme estudos e patentes) demonstram a criatividade a serviço do consumo acessível, onde o registro marcário pode proteger essa inovação distintiva.

4. Conclusão: A Releitura Marcária sob a Ótica da Acessibilidade

O ordenamento jurídico brasileiro, com a LPI, ainda está atrelado a um paradigma visual. Contudo, a Lei Brasileira de Inclusão e a jurisprudência que busca dar efetividade aos direitos fundamentais (como o acesso à informação e ao consumo) impõem uma releitura constitucional e social do conceito de marca.

A proteção e o registro das marcas não tradicionais, como o trade dress com elementos táteis, as marcas tridimensionais distintivas, olfativas e, futuramente, táteis, deixam de ser uma mera questão de vanguarda e se tornam um imperativo de justiça e inclusão. O objetivo não é apenas a proteção da exclusividade empresarial, mas, acima de tudo, garantir que a maioria dos consumidores com deficiência visual no Brasil possa exercer seu direito de escolha e de consumo autônomo, utilizando signos distintivos que, em vez da visão, mobilizem a forma, o olfato e o tato.

A criatividade no direito marcário, ao abraçar o sensorial, cumpre o duplo papel de fortalecer a identidade da empresa no mercado e de assegurar que o direito de escolha do consumidor seja verdadeiramente universal. A perceptibilidade da marca deve ser redefinida, não pela média visual da população, mas pela capacidade do signo de ser distintivo e reconhecível pelos diversos sentidos, promovendo a plena cidadania da pessoa com deficiência.